Yeh Vaada Raha (1982)

Refletir com um mínimo de objetividade sobre os filmes que mais nos movem não é fácil. É por isso que escrever sobre meus filmes favoritos é uma das tarefas que mais procrastino. O efeito a longo prazo é o blog não ter textos sobre alguns dos títulos mais significativos para a minha relação com o cinema indiano. Decidi me esforçar um pouquinho para tirar esse atraso e deste esforço veio a lembrança de um pequeno e fantástico filme dos anos 80. Yeh Vaada Raha não foi sucesso na Índia, mas acabei descobrindo que é um dos filmes indianos mais conhecidos e amados na Nigéria. É um dos mistérios como o da paixão dos portugueses por Aa Gale Lag Jaa, mas não nos foquemos nisto, já que o filme já tem assunto o suficiente para discussão. Há muitas reviravoltas na história, então colocarei um aviso quando comentar sobre esses pontos de virada.

Yeh Vaada Raha é o romance entre Vikram (Rishi Kapoor) e Sunita (Poonam Dhillon). Ele se apaixona perdidamente por ela ao vê-la em um templo e não descansa até reencontrá-la e conquistá-la. Os dois vivem em pleno idílio amoroso até o momento em que Vikram apresenta Sunita à sua mãe (Raakhee), que não aceita ter uma jovem pobre como nora. Os dois decidem enfrentá-la para viver seu amor, quando então suas vidas são transformadas por uma tragédia.


Sendo um filme de grandes reviravoltas, não seria de espantar caso o romance principal fosse apresentado apressadamente para logo dar lugar às surpresas da história. O diretor Kapil Kapoor teve a sensibilidade de não subestimar a importância da construção do amor entre os protagonistas. Apesar de Vikram ter-se apaixonado à primeira vista por Sunita, o namoro de ambos foi bem explorado em cena. Os ambientes escolhidos foram a casa de Sunita, onde cenas noturnas mostram o crescimento da intimidade e cumplicidade do casal, e também as belas montanhas de Kashmir por onde o casal corre, brinca e interpreta as canções românticas que tão bem capturam sua juventude. As cenas de brincadeiras e conversas bobas entre os namorados fazem com que o espectador acredite no casal e torça para que permaneça unido. Esta experiência é fundamental para manter o interesse na segunda parte do filme, momento no qual Vikram e Sunita passam a maior parte do tempo separados. 

Rishi e Poonam fizeram um ótimo trabalho com o já conhecido material do romance. Estavam à vontade um com o outro e conseguiram manter a jovialidade do casal mesmo durante as juras de amor eterno que caracterizam os romances indianos. A deliciosa trilha de R.D. Burman foi ideal para o clima proposto, com destaque para a meiga Yeh Vaada Raha. Esta me fez gastar alguns minutos tentando imitar o bater de mãos do casal, mas não discutamos isto (já que não deu muito certo).


A partir de agora, vou contar pontos importantes da história. Alerta de spoiler!

As coisas ficam bem doidas - para dizer o mínimo - e Sunita tem o rosto destruído após um acidente de carro. A mãe de Vikram o faz pensar que a noiva morreu e o rapaz fica desolado. Sunita, por sua vez, ganha um novo rosto pelas mãos de Dr. Mehra (Shammi Kapoor). O simpático cirurgião a adota como filha e a incentiva a procurar Vikram após sua recuperação. Pai e filha se deparam com a notícia do noivado de Vikram com outra mulher e Sunita sente raiva ao pensar que ele a esqueceu. Ela mal imagina que sua mãe forçou o noivado e que o rapaz vive apenas pela lembrança da noiva perdida.

O tom do filme é drasticamente alterado. De dois jovens alegres e apaixonados, a doce Sunita passa a ser uma moça triste e rancorosa, enquanto o enérgico Vikram torna-se um homem amargurado e perturbado pelas lembranças. Tina Munim teve sucesso ao fazer a difícil transformação de uma personagem que não havia interpretado antes. Construiu sua Sunita com certo ar arrogante que não havia antes e que foi exigido pela história, porém manteve nas cenas iniciais o quê de fragilidade que Poonam Dillhon emprestou à personagem. A interação com Rishi Kapoor teve carga emocional mais forte que a da primeira parte, mas Tina soube imprimir um tom que não destoasse completamente do esperado para Sunita. Apesar de estar usando roupas diferentes, ter outro rosto e ser mais desafiadora que antes, a perturbação de Sunita com a presença de Vikram denunciava que aquela era a mesma jovem que há tão pouco tempo planejava passar toda sua vida com ele.

Don't cry for me, Rishi Kapoor ♪
Rishi Kapoor estava perfeito. Sim, claro que há exagero em minhas palavras, porém isso é o melhor que posso fazer quando se trata do meu ator favorito no meu romance favorito dele. Não há no cinema hindi quem romanceie tão bem quanto Rishi Kapoor. Ninguém sabe olhar para uma heroína como ele, especialmente durante as canções. Sua interpretação também se manteve boa na fase deprimida de Vikram, tendo sido interessante vê-lo contracenar com Raakhee. A “mãe vilã” é um estereótipo dos romances, porém Raakhee trouxe a diferença ao fazê-la séria e sólida como uma típica matriarca. Não houve caras e bocas enquanto ela propunha idéias escusas à Sunita. A mãe de Vikram é uma mulher que se habituou a resolver problemas objetivamente e não seria diferente com a vida amorosa do filho.

1 sentimento: medo.

A história surpreendente e meiga unida a atuações honestas e uma música-título divertida é o que faz de Yeh Vaada Raha um dos meus romances favoritos. Há elementos dispensáveis (como a perseguição de Vikram a Sunita, bem no comecinho), mas o produto final ganhou mais pontos. Uma história tão louca poderia ter se perdido facilmente com a mudança de tom da obra e o êxito em utilizar o absurdo para cativar o espectador indica o valor desse pequeno filme, que me é tão querido. Se tudo isso não for suficiente para convencer, apenas se pergunte quantos filmes dos anos 80 podem ser defendidos com tanto carinho.

2 comments

  1. Emocionante!!! O enredo inicial, a parte do acidente e o rosto desfigurado, o retorno da moça com outro rosto... Lembra muito uma produção americana do final dos 70 que eu adoro O Segredo De Uma Promessa. é isso mesmo? De qualquer forma a Índia sempre tem um toque especial e único em tudo. Adorei seu post, beijo.
    PS. Não demore tanto para escrever, ok?

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    1. Não conheço esa produção, mas li que a história do filme se baseou num livro americano...será que é esse? E você tem razão, o toque indiano sempre transforma as histórias em algo singular.

      Como percebe, demorei bastante para escrever de novo, hahah. Obrigada pelo comentário!

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