Kala Bazaar (1960)

Kala Bazaar foi dirigido por um dos meus diretores favoritos: Vijay Anand. Este ser humano especial me deu coisas como Jewel Thief, Guide e There Ghar Ke Samne. É estrelado por Dev Anand e pela minha atriz favorita, Waheeda Rehman. Não é o filme que mais gosto dela, mas é tão bom quanto qualquer obra do Vijay.

A história gira em torno de Raghuveer (Dev Anand), um rapaz honesto que tem a mãe doente e dois irmãos mais novos, mas não consegue um emprego para sustentá-los. Um dia está desesperado e rouba a pasta de um homem, dentro da qual há muito dinheiro. Por aí já comecei a ficar irritada. Eu sei que as pessoas fazem as coisas mais inimagináveis quando estão necessitadas e desesperadas, mas talvez o Vijay poderia ter mostrado mais do desespero de Raghu para eu me convencer de que não havia outro caminho possível. Fiquei com a impressão de que ele procurou uns três empregos, falou "bá, desisto" e roubou um homem. A impressão de que foi rápido demais foi fortalecida quando Raghu procurou um cambista que fica nas portas dos cinemas para propor um negócio no ramo dele (Kala Bazaar- Mercado Negro). Cadê seus princípios, Raghuveer? Parece que ficaram perdidos em alguma cena não-filmada. Ok, sou chata com isso. Para uma pessoa começar a roubar por aí, ela precisa me mostrar por muito tempo que estava mesmo precisando daquilo.

Kishore Kumar, Dilip e as Dilipetes.
O negócio de bilhetes de cinema iniciado por Raghuveer começa na estreia do filme Mother India (1957). Neste momento é mostrada uma das sequências mais legais do filme, com cenas reais de artistas chegando para a estreia do filme. Fiquei toda saltitante/felizinha/emocionada ao ver artistas como Nargis, Guru Dutt, Mohammed Rafi, Kishore Kumar, Lata Mangeshkar e Dilip Kumar aparecendo todos no mesmo filme. Uma coisa muito legal desta cena é que ela mostra os fãs gritando pelos artistas. Tão bonitinhas as mocinhas gritando pelo Dilip Kumar!

Raghu acaba dominando o mercado cambista da cidade (era Bombay?) e ficando rico. Neste momento há um musical simples (Teri Dhoom Har Kahin)que achei bem forte, com Dev Anand cantando para uma moeda o quanto o dinheiro é quem ele mais ama no mundo e que um templo para ele deveria ser construído. Tem coisa mais atual que isto? A partir daí fiquei com a sensação de que ele simplesmente deixou de pensar nas coisas, e por isto foi tão fácil deixar de lado os princípios que sua mãe lhe ensinou. Não pensar é tão fácil e perigoso, não? Chega um dia em que Raghu está na porta de um cinema e vê chegar um grupo de amigos conversando. São todos bem jovens, daquele tipo que fica andando por aí a se divertir e sorrir. Eles vão assistir a um filme e estão esperando chegar Alka (Waheeda Rehman), namorada de Nand (era o Vijay Anand mesmo?). Ele decide comprar os ingressos com um cambista, mesmo com todos avisando que Alka ficará furiosa. Ela chega, fica sabendo da origem dos ingressos e os rasga na frente de todos. É neste momento que ficamos conhecendo a personalidade de Alka: ela diz o quanto odeia o mercado negro e coisas ilegais. Pronto, chegou a pessoa que irá mudar o herói.

Se Raghu estava se esforçando para não pensar, as palavras de Alka atuaram como os pensamentos que ele não desejava que chegassem à consciência. Seguindo Alka e Nand, Raghu vê como eles são pessoas instruídas e sente vontade de aprender. Foi aí que o filme me conquistou completamente. Alka foi quem o fez acordar, mas o que o fez mudar foi o conhecimento. É, Raghu arranjou um novo guia (acabei de perceber que isto daria uma boa piadinha com um certo filme de 1965). Muda a família para um bom apartamento perto de onde mora Alka e passa a estudar com um homem que conhece e que até é importante na história.

Por falar em Alka, sua relação com Nand é tão adorável que faz com que nos perguntemos como raios a história nos fará torcer para que ela fique com Raghu. Eles me fazem pensar naqueles namoradinhos adolescentes, tão fofinhos! Alka está triste porque Nand irá estudar fora (acho que em Londres). Ele diz que esta separação deve servir para fortalecer o relacionamento deles, para perceberem se realmente amam um ao outro. Até fiquei triste. Raghu não ficou. Nand viaja, ele se aproxima de Alka. Quando eles estão no trem, começa um dos musicais mais fofos que já vi em Bollywood. Alka está na parte de cima de um beliche, e Raghu fica cantando sobre como aquele (a) que está acima dele é inocente, apesar de saber tudo. Alka e os pais ficam confusos: aquele estranho está falando dela ou de Deus? Fiquei rindo da confusão. O vídeo está aqui.

Muitos spoilers a partir de agora.

Não parece uma princesa?
Apressando mais a história (que estou contando toda): Raghu consegue ir conquistando Alka aos poucos, o que a faz ficar confusa em relação a seu amor por Nand. Este também escreve menos para ela com o passar do tempo. Quando ela se decide por Raghu e está pronta para dizer a verdade a Nand, ele volta. A conversa entre os dois é séria e belíssima: num tom um pouco grosseiro, ele diz que ela não é mais a Alka que ele conhecia. Pede para que ela confesse quem é aquele Raghuveer que a modificou. A briga fica mais séria, e Nand faz com que Alka confesse que ama Nand e diz que só estava falando daquele modo para ouvi-la dizer isto. Ele também havia se apaixonado por outra pessoa. É uma das minhas cenas favoritas do filme, principalmente pela mudança no tom de voz do Nand. Em poucos minutos eles vão da hostilidade ao olhar de pessoas que se conhecem e se gostam. Pelo menos para mim, é diferente e bonito  mostrar que as pessoas amadurecem e com este processo podem perceber que as certezas da juventude não eram tão certas, afinal. Talvez o primeiro amor não seja eterno.

Lá do lado de Raghu, este fica todo feliz quando Alka diz que quer ficar com ele. Ele já havia parado de vender coisas no mercado negro e havia começado um mercado honesto com seus antigos companheiros do cambismo. Um deles nunca aceitou o fim de tudo e denunciou Raghu à polícia. Todos foram presos e testemunharam sobre o quanto Raghuveer havia mudado suas vidas, fazendo com que enfim pudessem ser homens de respeito. Eu não sabia bem se queria ou não que ele fosse preso...então o promotor me deu uma lição. Ele disse que mesmo as boas coisas feitas por ele não apagavam os crimes que ele havia um dia cometido, e pelos quais não pagou aos olhos da lei. Obrigada por me dar lição de moral, promotor. Raghu e seus companheiros foram para a prisão, onde eles deram uma de revoltadinhos porque de nada havia adiantado serem honestos. Raghu diz que nããããão, serviu sim, aquele papo todo que faz seus companheiros envergonharem-se de si próprios. Termina o filme indo para a liberdade, sua família e Alka.


Esqueci um bilhão de detalhes do filme, como o advogado de Raghu e a morte de sua mãe ; tenho dificuldades em encontrar o limite entre contar a história toda e passar minhas impressões. Tudo o que eu disse não contempla nem um terço de como recebi as questões deste filme. Kala Bazaar consegue falar de inúmeras questões sérias sem perder a leveza. Não foram necessários discursos complexos para passar a mensagem de que o bem mais precioso é o conhecimento, como Raghuveer ensinou ao seu irmão mais novo.

Quando terminei de ver Kala Bazaar, comentei que tinha sido o filme com clipes simples mais bonitos que já vi. Isto se deve à Waheeda Rehman. Não dá para falar de todas as músicas, então serão só duas. Uma delas é Sach Huye Sapne Tere Jhoom Le, cantada pela minha favorita, Asha Bhosle. Acho que foi o clipe mais fofo que já vi da Waheeda. A outra é Khoya Khoya Chand, que parece ser uma música clássica e deu nome a um filme (chato) de 2007. Quem canta é meu eternofavoritoamado Mohammed Rafi. Por todas as músicas serem perfeitas, a trilha só poderia ser de S.D. Burman. Estou muito envergonhada por não comentar sobre todas as músicas, mas seria capaz de eu passar a vida em frente ao computador se começasse.


Não pode faltar a foto da Waheeda e do Dev caminhando sob a chuva:
Tentativa de encher o mundo de fotos da Waheeda.

É óbvio que amo Kala Bazaar e que todos devem assisti-lo, nem que seja só para ver mais uma vez o que Waheeda Rehman e Dev Anand podem fazer juntos. Obrigada por mais um, Vijay Anand.

Até mais!

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