Astitva (2000)


Semana do Poder Feminino - Post # 4

Personagem do dia:

Aditi


O último filme a ser comentado aqui no blog no final da Semana do Poder Feminino tinha de ser especial, forte, impactante, totalmente voltado para a mulher e seu poder. Tinha algumas opções, mas simplesmente não conseguiria me perdoar caso não falasse de um dos filmes mais importantes já feito sobre o machismo na Índia, Astitva, que inclusive recebeu o National Film Award de Melhor Filme Marathi. Vejam só, que beleza: além de falar de um filme bom, ainda vai ser a primeira obra marathi do Deewaneando. E só para marcar, antes que eu me esqueça: este filme tem um dos melhores discursos finais da história.

Vou contar coisas que não sei se consideraria spoilers. É que para este tipo de filme, acho que os acontecimentos não são tão importantes quanto a discussão que podem suscitar. Sendo assim, leia quem quiser, certo?

Escrito e dirigido por Mahesh Manjrekar, o filme nos conta a história de Aditi (Tabu), uma dona de casa casada com o empresário Shree (Sachin Khedekar). Os dois tem apenas um filho, Aniket (Sunil Barve). A família vive há anos com Aditi cuidando da casa e da família, enquanto os homens trabalham. Um dia, recebe uma carta informando-a de que havia herdado uma grande fortuna de seu ex-professor de música. Seu marido fica intrigado com a situação e ao ler os diários que escreveu ao longo dos anos, percebe que talvez Aniket não seja seu filho. A confirmação da desconfiança leva à uma ruptura na família e à reflexão sobre Aditi e seu papel como esposa, mãe e mulher.


Quando Shree trabalhava incessantemente para começar sua própria empresa, Aditi passava meses sozinha em casa. Sentia vontade de trabalhar, mas seu marido não permitia que o fizesse pois todas as mulheres de sua família haviam sido sustentadas pelos maridos. Ao voltar de suas viagens, às vezes não fazia o mínimo esforço para dar atenção à esposa. Aditi se sentia solitária, abandonada. Neste contexto, cometeu um pequeno deslize que trouxe grandes consequências para a vida familiar. Traição é um assunto sério e cabe a cada um decidir se é perdoável ou não, mas um ponto é fundamental para analisar a história: Shree já fez a mesma coisa com Aditi, e várias vezes. Entretanto, segundo o próprio, ele é homem. É diferente. Ou seja, seu desejo é mais intenso e incontrolável que o de sua esposa, que tinha o dever de permanecer fiel e esperá-lo pelo tempo que fosse necessário.

Com o passar dos anos, Aditi ficou apagada - efeito conseguido pela grande atuação da Tabu, alternando entre expressividade e inexpressividade quando necessário. Ao receber uma carta, era o marido quem a abria. Nos primeiros minutos de filme, só é possível conhecer mais dos outros personagens, já que a mesma raramente se manifesta. É como se não fosse possível distingui-la da paisagem familiar, como se fosse apenas mais um adorno da casa ou um eletrodoméstico. Ficar em casa não foi sua escolha, mas o que o marido decidiu ser sua função. A personagem fica em contraste com Meghna (Smita Jaykar), esposa de Ravi (Ravindra Mankani), melhor amigo de seu marido. Meghna é divorciada e seu ex-marido era tão machista quanto Shree, o que a faz reconhecer sua índole logo de cara. É ela quem traz ideias de emancipação para Aditi, insistindo com esta que deve ser independente, fazer algo. Pessoalmente, não acho um problema uma mulher ser dona de casa caso assim o deseje, até porque é um trabalho que cansa como qualquer outro. Como este não foi o caso de Aditi e Meghna passou por situação parecida, talvez por isto quisesse que a amiga também buscasse a liberdade.

Sim, um dia ela teve vida.

No momento em que a bomba familiar explode, a reação mais impressionante é a de Aniket, que chega a chamar a mãe de vadia. Por um evento que, apesar de grande, é isolado, marido e filho esqueceram os 27 anos de dedicação exclusiva de uma mulher à sua família. Isto mexeu muito (até demais) comigo. A Psicologia, feliz ou infelizmente, me deixou mais reflexiva a respeito das pessoas. Não consigo mais colocá-las numa linha reta, com bom e mau em cada ponta e cada uma só podendo estar em um lado. Aditi teve um comportamento moralmente questionável, mas quem foi que decidiu o que é moral e, mais importante: as atitudes do marido e do filho permitem que sejam os juízes? A vida é bem mais complexa do que gostamos de assumir. *Carol reflexiva* Uma pessoa boa que comete um ato ruim merece ter seu histórico levado em consideração ou já vai para o outro lado da régua bem-mal do Sr. Shree? Não suporto saber que por aí há pessoas como Aditi, tendo suas vidas decididas por esses machistas que decidem estender para o mundo as leis limitadas de suas mentezinhas pequenas.

Outro ponto importante trazido pela reação de Aniket foi a ideia de que toda uma geração pode estar em transformação, que ainda não será muito difícil alguém dela ser contaminado por valores arcaicos que diminuem o outro. Noivo de uma moça moderna e independente, ainda assim Aniket tratou a mãe como fez o pai, um homem com uns 40 anos a mais e vindo de uma geração muito diferente. Isto me lembra uma discussão sobre tradição que tive com a Jo a partir de um comentário feito por ela no post de Fire. A antiga geração tem muito a ensinar à nova, mas é por estes pontinhos absurdos que afetam negativamente a vida de tantos que às vezes um jovem de hoje age exageradamente e não quer ouvir nada da sabedoria dos que vieram antes. Pode ser por medo de se tornar um Aniket, moderninho só até a segunda página. E também pode ser que eu já esteja viajando demais.

Passamos quase todo o filme conhecendo a história de Aditi, vendo o que a levou a fazer tudo aquilo e, pelo menos no meu caso, pensando no quão injusto é que mais de 20 anos de dedicação de uma pessoa sejam destruídos em 2 segundos de confissão. Talvez esta redução da história de vida dela a ações específicas que podem ou não ser consideradas aceitáveis seja o mais humilhante para Aditi. Shree ainda tem sua empresa, sua independência, seu mundo fora de casa. Já ela teve todo seu mundo tirado de si sem nenhuma possibilidade de argumento, como se aquilo não fosse nada. Pelo menos uma coisa boa saiu disto tudo: com o que sabia sobre si destruído, finalmente Aditi foi buscar sua astitva, sua identidade.

2 comments

  1. Nossa que máximo!! Eu preciso ver esse filme Carol! Adorei a história e parece ser um filme que mexe mesmo com nossas reflexões ( o que adoro)

    Não posso comentar muito porque não assisti a ele ainda...mas o farei.

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  2. Assistaaaa! Eu ia traduzi-lo porque achei importante ter algo assim em português, mas é um daqueles filmes que as legendas em inglês tem que ser adicionadas manualmente e não estou com tempo para isso agora :/

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